sábado, 28 de março de 2009

Tempo de recordar e refletir

Texto do autor Rafael Bueno (Adaptado pelo autor do blog)

Revi dia desses uma foto minha aos oito anos. Nela estou vestindo calça, kichute e camisa xadrez de manga comprida. Não era minha roupa habitual — eu normalmente vestia apenas um short qualquer (na época os shorts de nylon começavam a ser a grande moda) e descia para a rua, para brincar e acumular cicatrizes em virtualmente todo o corpo, além de algumas fraturas aqui e ali. No máximo usava uma sandália — nessa época, Katina Surf ou a eterna Havayanas.

Mas aquela indumentária específica, naquele dia, era o que eu podia chegar de mais próximo à roupa de cowboy: na cintura havia um cinturão de plástico com dois coldres e dois revólveres prateados de espoleta.

Ver esses revólveres novamente é estranho. Lembro exatamente de quando os ganhei — uma manhã de sábado de 1979. Pela primeira vez eu tinha uma cartucheira — embora ela não fosse de couro, fosse de plástico. Na caixa vinha também uma estrela prateada de xerife.

Revólveres de espoleta foram uma das constantes da minha infância, assim como os bonecos Falcon e os filmes da Sessão da Tarde. Com um revólver na mão tinha-se garantida uma tarde inteira de brincadeiras. Podia-se, com um pouco, quase nada de imaginação, imaginar que postes eram saguaros, que portões de garagens eram celeiros, que ruas asfaltadas eram as ruas empoeiradas de uma cidadezinha qualquer da fronteira, onde iríamos duelar até a morte.

Havia dois tipos de espoleta. Um em que ela vinha em pequenos rolos de papel, as espoletas Ringo, e outro em que elas eram acondicionadas em aros de plástico: eram as espoletas Far-West. Eu preferia, de longe, essas últimas. As espoletas de papel davam muitos problemas. Eram mais baratas, davam mais tiros sem precisar recarregar, mas enganchavam — e se elas enganchavam um dos comanches que eu perseguia poderia me matar. E nessas horas, todo cuidado é pouco.

Eu tive alguns revólveres daquele modelo Far-West, da Estrela, além de alguns outros. Não sei exatamente quantos revólveres de espoleta eu tive, nem os seus modelos, embora saiba que a maior parte eram o Far-West ou variações. Mas lembro desse que estou usando na foto, provavelmente uma variação do modelo Laramie, com dois revólveres e cartucheiras, um modelo semelhante ao que está na foto ao lado, com a diferença de que não vinha com corda e provavelmente nem com lenço, mas em compensação vinha com uma estrela de xerife e com dois revólveres. Mas eu não gostava tanto deles, porque usavam espoletas Ringo.

Lembro também dos que eu não tive; o Álamo da foto ao lado foi meu objeto de desejo ainda em 1981. Não adiantou que eu atravessasse a rua constantemente para ir namorá-lo no Burako da Fechadura, uma pequena loja de presentes quase em frente ao edifício onde eu morava. Um dia venderam o último exemplar, e eu fiquei sem ele.

Não eram apenas revólveres. Ainda me lembro do sábado em que fui com meu pai comprar uma espingarda de espoleta nas antigas Lojas Brasileiras da Avenida Sete. Era uma bem parecida, se não igual, ao modelo abaixo. Com ela pude brincar de Daniel Boone — que não usava revólveres, apenas uma espingarda de caça. Aquela era a também a minha Winchester, e não era difícil imaginar carroções em círculo nos defendendo de um ataque de siouxies ou cheyennes — de apaches nunca, porque apaches eram bonzinhos, pelo menos na maior parte dos filmes — com um sofá e algumas poltronas.

Mas brincar de cowboy e de índio é uma brincadeira que não faz mais sentido hoje. Os referenciais das gerações que se seguiram à minha não estão mais em Monument Valley. Eu e tantos outros crescemos assistindo a faroestes na TV, durante as Sessões da Tarde. Ainda assistíamos a inúmeros seriados como Zorro (o Lone Ranger, aquele com Tonto). Não posso listar o número de bons filmes que assisti ali — Jerry Lewis, Danny Kaye, Burt Lancaster, John Wayne. E à noite, horário interditado para mim, ainda havia o “Bangue-Bangue à Italiana”. Mas hoje faroestes não fazem mais sentido. As Sessões da Tarde são ocupadas por filmes com chimpazés motociclistas e bizarrices como Power Rangers.

Role playing game também tem um sentido totalmente diferente, hoje. É a vitória dos meninos bem cuidados que ficavam em casa, tomando Nescau, com um termômetro debaixo do braço; o futuro pertencia ao modelo que eles preparavam em seus pequenos ninhos, não ao meu, em que me estabocava no chão de vez em quando e dava e recebia socos, pontapés e ofensas fraternas de amigos que viravam inimigos e depois viravam amigos novamente. Não me cabe dizer se o que foi feito do mundo é melhor ou pior, até porque é um contrassenso dizer que uma brincadeira é melhor ou pior. Mas não é a minha maneira, nem a da minha geração.

Mesmo reconhecendo tudo isso, eu ainda sinto falta de revólveres de espoleta. Eles saíram de moda e foram banidos há mais de 20 anos. Pelo menos sei que não estou sozinho na impressão de que os meus tempos eram mais interessantes: é o caso dos autores do site http://www.brinquedos.faroeste.nom.br.

Ao que parece, isso se deve em parte ao fato de que marginais passaram a usá-los para assaltos (e embora eu confesse que preferiria ser assaltado com um revólver de espoleta em vez de um de verdade, não vou discutir isso).

Mas em parte, também, sua queda se deve à histeria politicamente correta e eminentemente imbecil que acha esses brinquedos excessivamente violentos. Para essas pessoas, brincar com revólveres de brinquedo criava adultos violentos.

Essa justificativa deve ser válida, porque essas pessoas sempre sabem do que estão falando. Tantos anos depois, essa geração que hoje entra em sua terceira década de vida e que nunca brincou de faroeste, como se pode ver, está menos violenta. Há menos homicídios. As cidades estão mais seguras. A violência urbana nunca foi tão baixa, e isso se deve única e exclusivamente ao fim dos revólveres de espoleta.

A agenda oculta? Não são as circunstâncias; são os homens atrás delas o que fará sempre alguma diferença neste mundo.

Um abraço!

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