sábado, 19 de março de 2011

Dieta de monstruosidades

Descobri, ao longo de quinze longos anos de atuação policial, que as pessoas nutrem uma satisfação informal por haver gente como eu. Que tem a obrigação do convívio com a barbárie e com a monstruosidade para levar à casa o arroz e o feijão dos filhos.

Descobri, há pouco tempo atrás, que devo me tornar eu também monstro e bárbaro. Porque não posso me indignar, não devo reclamar, não tenho o direito de sofrer e de chorar por tantos monstros à solta no meio de todos nós. Sou uma das pedras do dique; não posso me romper. 

Não posso me corromper, é certo. Mas não me romper? Não é querer demais de um humano?

Ter tantos monstros à solta no nosso sistema não é anormal. Pessoas são capazes de tudo, até do impossível que acreditávamos. Mas ter sistemas à solta trabalhando pelos monstros é o fim da picada. E há quem defenda os monstros, numa inversão de valores que subverte a lógica mais rasa.

Há quem defenda que nós, as pedras do dique, não podemos nos desgastar no convívio direto com o ácido da barbaridade. Ah, meu país, você consegue ser desigual para quase todos os seus filhos. Seus berços são diferentes e variam de acordo com a pele, com a crença, com o sexo, com o físico, com o "normal", com a idade...

Descobri que, por você ser tão desigual e injusto, muitos de seus filhos mais simples aprenderam a conviver e a aceitar o convívio com a desigualdade e com a intolerância. Com o preconceito. Com o ódio e com a raiva irracional. Com a luta injusta e inglória. Com quase tudo que gente como eu ainda abomina, mas luta contra com tenacidade e teimosia.

Descobri que estamos cada vez em menor número, e que a dieta de monstruosidades pode nos fazer mal ao ponto de nos colocar em extinção. Mas não podemos rejeitá-la.

Descobri que tenho medo da sociedade que pode emergir depois que o último de nós tiver morrido. Ah, é... Não tenho o direito de reclamar nem de ter medo...

Um comentário:

Marcos Martino disse...

Célio, meu temor é de sermos mordidos pelos vampiros e também nos transformarmos em monstros. Meu maior temor, caro amigo, é de nos aviltarmos no processo. Como você mesmo falou, não fico muito à vontade no cenário de guerra. É que me assusta a maldade de rapina, sempre a espreita pra nos aniquilar.