Há algum tempo, li em Blogs da terrinha alguns relatos sobre estes heróis anônimos de Monlevade, os marmiteiros da Belgo. Revirei os olhos de rir com as histórias e me lembrei de um anti-herói: o Sílvio "Zuiudo".
Sílvio era um negão (ops, o politicamente correto é afrodescendente) baixote e gorducho. Tinha maus bofes desde o primeiro momento em que se apresentou para as peladas da Rua Evangelista. Mas também era carismático quando queria. E usava o carisma com uma eficiência de dar inveja a qualquer um de nós.
O sacana era preguiçoso por natureza. Contrariamente aos outros meninos pobres da época, não engraxava sapatos nem capinava nem vendia picolés pelas ruas ensolaradas de João Monlevade. Era bem comum observá-lo, deitado debaixo da sombra de alguma árvore enquanto a gente ralava para juntar os trocados, sendo que só depois da ralação vinha o futebolzinho santo de cada dia. Na rua, é claro, porque clube nem passava pela nossa realidade.
A única atividade laborativa do Sílvio era a entrega de marmita. A gente nem imaginava porque ele se dava ao trabalho, até que as histórias começaram a se espalhar. E tudo por causa de um "Zuiudo" (ovo frito).
Os fatos: depois de meses de entrega de marmita, algum trabalhador da companhia ficou encucado com a falta de bife na marmita que chegou para ele. O dito cujo tinha comprado a carne na tarde da véspera, e chiou bastante em casa. Pode ter rolado até um enrosco com a patroa - quem vai saber? - por causa do ovão frito que foi junto com a comida.
Dessa briga em particular, a patroa bateu o pé que tinha enviado um bife de patinho, acebolado, que "era maior que a cara do ingrato" do marido reclamão. Ficaria tudo ok se o operário não tivesse desabafado com os colegas e descoberto que o fato acontecia com todos eles. Todas as mulheres de um determinado setor já tinham recebido uma carraspana dos maridos, em algum dia do mês. E tudo por causa de bifes e ovos fritos.
Uai, gente, mistério e bicho homem é coisa que não combina. Conversa daqui, bate um papo ali... E as marmitas eram todas carregadas pelo Sílvio. Só as dele davam diferença entre carne e ovo... Pimba!
Um moleque foi contratado para seguir o Sílvio durante uma semana inteira, no trajeto entre Carneirinhos e o hoje Zebrão. E o relato varou a nossa infância como a maior picaretagem de que tomamos conhecimento!
Ele carregava umas oito marmitas todo dia. Fazia o trajeto a pé como todo mundo. Tudo nos conformes. Mas tinha uma diferença: ali no Belmonte - não vou falar onde para não entregar alguém sem querer - O "Zuiudo" parava numa cantina e trocava metade dos bifes nas marmitas por ovo frito!
Jesus... Numa única semana, uns doze bifes eram trocados por ovo, a cantina vendia doze bifes para seus clientes normais, Sílvio recebia "comissão" pelo serviço e ainda cobrava o dinheiro normal das famílias pelo transporte marmitento. Que empreendedor!
Por isso o desgraçado não precisava ralar com outras coisas. O rendimento dele com as marmitas era turbinado pelo tráfico de bife!
A casa caiu, Sílvio perdeu o serviço de marmiteiro, ganhou o apelido de " Sílvio Zuiudo" (e apelido entre moleques é coisa séria. Pegou, tá pegado!) e nunca mais foi visto deitado na sombra. Passou a ralar nos serviços que a gente já fazia também. Só que com o glorioso apelido de "Zuiudo" a tiracolo.
É... Monlevade já teve seus tempos de inocência, até na carreira criminosa. Hoje, o que é mais comum é a gente ver alguns "Zuiudos" por aí, lidando com artigos muito mais complexos que ovos e bifes.
Entendeu porque se chama "Zuiudo"?
Nenhum comentário:
Postar um comentário