sexta-feira, 22 de julho de 2011

Sejam riachos

Uma vez me pediram para elaborar um discurso. O alvo eram crianças (posso me dar ao luxo de chamar de crianças aqueles que estão com 16, 17 anos) que se formavam no Segundo grau. Está claro que me enchi de pavor, porque aconselhar é disparar no escuro; acerta-se o coração ou acerta-se o inocente, acerta-se ambos ou não se acerta nada. Depende muito do que o atirador carregue na sua própria alma.

Eis o resumo do que pude escrever, para aqueles que estavam no começo de uma jornada que seria grandiosa ou estéril:

Sejam riachos. Não se preocupem com o volume de suas águas, porque basta atingir uma semente só e o milagre da vida vai acontecer assim mesmo.

Não se preocupem muito se vieram de uma nascente miúda. Nada pode crescer se não tiver nascido pequeno.

Há caminhos de contornar e caminhos de romper, e não é porque sejam de riacho que as águas desconhecem esta verdade. O que elas precisam mesmo saber é que para o riacho, o contorno sempre é possível. Romper já é mais simples para o rio.

O riacho não rompe, mas também não destrói. Ele é mais fértil e mais promissor, mas não pode ser riacho para sempre. Destino de riacho é ser rio, assim como o destino dos meninos é se tornarem homens. Alguns riachos e meninos serão doces e generosos. Alguns rios e homens serão fortes demais para serem construtivos, e vão desmoronar barrancos e barracos, derrubar barcos e sonhos pelo seu caminho.

Porém, um elo indestrutível os une, riachos e rios. Todos devem seguir seu caminho, porque assim foram desenhados. Para semear alguma coisa à margem de suas águas.

Por agora, sejam apenas riachos. Daqui a alguns anos todos vocês terão virado rios, e o conjunto do que semearam é que os fará bons rios, ou não. Contornem as pedras enquanto podem, porque o futuro pode lhes obrigar a carregar pedras grandes demais. E que devam ser despejadas sobre os ribeirinhos que a vida lhes mostrará.

Sejam riachos, porque o futuro estará lá, aguardando todos vocês e todos estes outros riachos e rios que estão ao lado de vocês, no mundo de água azul que é o mar de Deus. Que este mar os aguarde e abençoe a sua jornada em direção a ele.

Penso que não foi um discurso ruim de ser feito. Fui o melhor riacho que pude ser. Não sou um rio tão manso que não tenha derrubado alguns barcos e casebres na minha caminhada, nem sou um rio estéril por ser violento demais. Contornei muitas pedras, mas não me vejo sem vontade de arrastar algumas que se colocam ainda no meu caminho. O que não perdi de vista, e quero não perder, é o mar. Eu sei onde ele está.

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