terça-feira, 22 de novembro de 2011

70 centavos e futuro algum

Deixei esposa e filho hoje, ali próximo ao Banco do Brasil, na parte da manhã. Antes de arrancar o carro, fui abordado por um jovem bem vestido (exceção ao sapato soicial sem meias) que me pediu dinheiro para um sanduíche.

A reação natural é dizer que não tenho. Quase sempre. Mas o olho clínico de Perito Criminal e, portanto, olho clínico de policial não deixa de funcionar... Era um "chassi de crack", meu nome pessoal para os físicos que parecem de modelos anoréxicas e antissociais. Aliás, antissociais somente quando anoréxicas presentes em campanhas publicitárias, certo?

Voltando, era um chassi de crack, clássico. Qualquer dinheiro que eu desse iria para a primeira ou não das pedras do dia. Mas eu acordei com o "diabo no corpo", como se diz por aí. Tenho o meu vício em Hollywood (e o médico Railton me passou uma reprimenda por causa disso), portanto não tenho o direito nem o estofo ético para criticar o vício de ninguém. Apenas fico ao lado da Lei, e ela não permite interpretações contra sua vontade.

Dei setenta centavos para o jovem. Afinal de contas, ele me disse que iria comprar o sanduíche numa lanchonete próxima. Se iria mesmo adquirir o sanduíche, isso já não era comigo. O que importava era não fazer o pré-julgamento. Gostamos disso, não é?

Evitei fazer um, enquanto observava ele passar impavidamente pela porta da lanchonete Bocatta. Não entrou e não fez menção de entrar. Imaginei ali, na hora, o que seria do futuro daquele jovem e dos setenta centavos para comida.

Bem, os setenta centavos iriam cumprir sua única função essencial. Iriam funcionar como meio de troca, porque somente para isso o dinheiro há de servir. Dependeria do rapaz o meio de troca mais adequado a seus desejos.

Setenta centavos nunca irão me fazer falta. Torci muito para que não fizessem falta também para o futuro daquele jovem. Porque tive a sensação de não ter proporcionado futuro algum a ele. Nem de setenta centavos, nem de todo o dinheiro do mundo...

3 comentários:

Ricardo disse...

Sensacional! Muito bom mesmo.
Parabéns.

CÉLIO LIMA disse...

Bom, Ricardo, agora fiquei mais na dúvida ainda. Já estava me balançando entre o que há de triste e de melancólico no que eu não podia fazer para ajudar.

Se eu deveria ter entregado algum dinheiro ou não. Se além da literatura, que é o fundamento principal do artigo ao lado da reflexão, havia algo mais.

Sei que os parabéns dados por você não foram de ironia. Mas sei também que não deixam de ser irônicos em si mesmos, como são as coisas em que nós nos envolvemos sem nos envolver mesmo, de corpo e alma.

Se um dia eu tiver uma boa resposta para esse dilema, dividirei com todo mundo que puder. Por enquanto agradeço sua participação em dividir este dilema.

Caso o seu blog vá ter continuidade, vou acompanhar com entusiasmo.

Grande abraço.

Ricardo disse...

E então Sr Célio,
Assim como outros excelentes blogs de Monlevade, acompanho o Drops de Sanidade diariamente. A qualidade de sua escrita é inquestionável, mas esta foi uma das melhores que li.
Deparamos diariamente com pessoas pedindo ajuda nas ruas, na grande maioria dinheiro. E também na maioria das vezes ignoramos e/ou viramos as costas. Como tem muita malandragem, os necessitados pagam pelos pecadores e sempre tentamos julgar qual é a real necessidade de cada um. Quem somos nós para julgar, não é mesmo? E diretamente na situação descrita, o vício é algo muito complexo para ser determinado em um só pensamento. Seja pela razão ou coração, sempre questionamos ou procuramos justificativas para as nossas decisões. Certo ou errado só Deus sabe.
E quanto ao blog, criei há muito tempo atrás quando me senti um pouco mais inspirado. Mas passou logo. Não tenho qualidade na escrita assim como você e outros bloqueiros. Mas se resolver ativá-lo, lhe deixarei saber.
E aproveitando a passagem, gostei da banana. Eu levaria pipoca e refrigerante.
Saúde e sucesso.

Ricardo Menezes