terça-feira, 19 de maio de 2009

O funcionário público, este sem-profissão

Estava indo buscar a viatura da Polícia Técnica no final da tarde de ontem, em um lava-rápido próximo à Seção onde trabalho. Ao pagar o serviço, ouvi esta pérola: "olhe, o Sr. foi muito elogiado por aqui. Muita gente estranhou a Polícia pagar pela lavação do carro."

Trata-se de uma pérola não porque seja ironia de minha parte. É uma jóia verdadeira receber um elogio, ainda que indireto. O funcionário público merece.

Porque ele é um sem-profissão por natureza. Não importa qual seja a sua área de conhecimento ou atuação, uma vez funcionário público esta condição suplantará todo o resto. Vira um barnabé para o resto da vida, jogado num balaio onde - como em todas as outras funções humanas - haverá um bando de inúteis jogando a reputação da categoria no lixo. Ainda que haja - como em todas as outras funções humanas - quem se dedique a carregar no coração a vontade de servir ao público.

Deixem-me fazer um alerta: não me sinto como alguém que está com os olhos abertos numa multidão que se recusa a abrir os seus. Não é isso, em absoluto. A única preocupação que sempre tive, ao longo de 23 anos de serviço público, foi a de devolver a quem me paga o entusiasmo que sinto a cada vez que vou ao banco, no dia apropriado, receber o meu salário.

Faço isso há 23 anos,ininterruptamente. Pego um pouco de dinheiro em espécie, coloco no bolso, e agradeço por ter merecido cada um daqueles centavos. O vínculo com o dinheiro, se não é o mais importante, é o mais importante.

Porque a ideia de servir comunitariamente não me serve. Não de forma exclusiva. Tenho filhos a alimentar e o serviço voluntário não remunera (sei porque o executo em paralelo). E não vincula nosso caráter, porque fazer ou não fazer não causa danos a ninguém. Com o serviço público acontece de forma diferente.

Em alguns casos, o servidor público se lota de entusiasmo em um único dia do mês. Enche-se de agilidade e presteza em um único dia do mês. Ama trabalhar onde trabalha em um único dia do mês. Nos demais dias do mês, dane-se a rabacuada que o procura em seu serviço.

E nosso maior problema é que não podemos fazer nada, exceto trabalhar em dobro para compensar o criminoso (opinião pessoal: todos são estelionatários quando recebem e não entregam o que deveriam, pelo dinheiro que sugam da sociedade).

E essa pedra de moinho enorme, que tritura o cidadão sem piedade, raramente é denunciada como deveria. Não há auditoria do trabalho que fazemos, o que torna os capazes e dedicados farinha do mesmo saco, injustamente, aos olhos do cidadão consciente de seus direitos.

Da mesma forma, embrutecidos pela ruindade geral, não elogiamos quando alguém brilha na arte de nos atender. Uma pena. Já postei antes que o elogio é um tônico que revigora e reforça-nos para a luta.

Não é essencial para os bons trabalhadores, admito. Mas para os medíocres, é fundamental. Porque sem o elogio, nas ocasiões em que o funcionário público medíocre vai contra sua própria natureza e atende com paixão, a falta do elogio leva ao raciocínio de que tanto faz tratar o povo com rosas ou com coices: o resultado é o mutismo.

E assim vamos brasilzando, até o dia em que aprenderemos. Se Deus quiser e se a vontade prevalecer sobre nossa natureza.

Agenda oculta? Elogie sempre que for bem atendido. O barnabé irá ficar satisfeito e tenderá a repetir com os outros. O bom profissional entregará uma gota a mais do próprio sangue. E seu investimento - os impostos que teimam em cobrar de você com eficiência e agilidade - estará gerando retorno satisfatório. Da mesma forma, denuncie sempre o despreparo, o descaso e o desrespeito que você sofrer. Um dia a realidade se transforma por sua ação, o que é muito mais saudável que deixar um seu igual sofrendo por sua omissão.

Um abraço!

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