terça-feira, 29 de setembro de 2009

As mãos, as promessas

Um binômio que tem pontuado minha curta vida é o de observar, sempre, como as mãos e as promessas parecem viver em mundos separados.

As promessas são bem mais inebriantes, mais elegantes, mais lindas. São como as mulheres de capa de revista, que aos 50 surgem com corpinhos de 30. O que ninguém se atreve a discutir é o quanto de Photoshop faz parte das fotografias.

As mãos, por sua vez, trabalham pouco. É um paradoxo, eu sei, mas é assim que funciona. O trecho abaixo, de Augusto dos Anjos, traduz com perfeição o que quero transmitir agora, quase 100 anos depois do poeta:

"...É o choro da energia desacreditada
o cantochão dos dínamos profundos
que podendo mover milhões de mundos
jazem ainda na estática do nada..."

À época de Augusto dos Anjos, não havia o marketing. Ele foi, de alguma forma, ouvido por seus pares, sem ruídos ou distorções na comunicação. Pena que os pares eram poucos, e pouco qualificados em sua maioria.

Tudo o que as mãos fazem foi precedido de promessas. O mérito das mãos reside em cumprir tudo. Mas nem tudo que as promessas vislumbram é secundado pelas mãos. O demérito das promessas reside em leniência comunicativa.

Quando, no decurso de uma vida, queremos conhecer um ser humano, observemos quanto de suas promessas é seguido pelo trabalho de suas mãos. Não falha nunca a análise de caráter baseada nesta verdade.

Segundo Paulo Freire, é necessário ao homem que suas palavras e suas atitudes sejam tão compromissadas que, num dia qualquer, os outros homens passem a entender que suas palavras são suas atitudes.

Eu adaptei este axioma para entender meu mundo: ouço as palavras, analiso as atitudes e comparo os resultados: se a diferença entre ambos não for igual a zero, sei que estou diante de mais um reinventor da roda. Ou seja, só mais um na multidão de loucos em que nos tornamos na Idade Contemporânea.

Dialogue com as mãos. É saudável e opera mudanças. Promessas só oneram o ouvido do seu interlocutor, a um custo alto para ambos.

Promessas vão ao impossível. As mãos, humildes, contentam-se em fazer o máximo do possível. Outra diferença crucial é que as promessas não precisam iniciar a corrida, já que é impossível mesmo. Mãos, após o término do possível, e por não saberem atuar de outro modo, iniciam a tarefa de transformar o impossível.

Assim, entre mãos e promessas que não dialogam, fico com as mãos. Shalom!

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