sexta-feira, 28 de maio de 2010

Eu não odeio a ArcelorMittal

Preciso deixar bem clara esta afirmação, já que o senso comum do ajoelhamento perante a empresa vai ser majoritário (pelo menos já começaram as indicações neste sentido).

A ArcelorMittal é apenas mais uma empresa em meu currículo profissional. Neste aspecto, ela me causa muito desconforto, já que nas raríssimas ocasiões em que motiva nosso comparecimento técnico em sua planta, utiliza de recursos no mínimo estranhos para nos recepcionar. Um deles diz respeito ao uso de ambulâncias para remover uma vítima fatal de acidente de trabalho, fato infelizmente ocorrido num de meus plantões.

Claro que não permiti e nunca permitirei algo semelhante se puder intervir a tempo. Uma ambulância carregando um cadáver é um veículo de prestação de socorro à vida humana, ocupado num trabalho inútil. Mas o ponto não é este.

O ponto principal é que a empresa, previsivelmente, vai alegar o enorme aporte de recursos futuros para justificar o impacto social que causará agora no município. Muito correto do ponto de vista financeiro e econômico, o argumento esbarra na verdade óbvia: o que o município já pagou socialmente, desde os primórdios da primeira modernização desta planta industral, gerou um crédito inalcançável pela empresa, em qualquer prazo.

Aquele aporte de recursos adicionais, para o futuro, será suficiente para controlar os impactos sociais adicionais, neste mesmo futuro. Porque as pessoas estão deixando de lado esta discussão, não me cabe julgar. Mas não preciso me ajoelhar diante de ninguém, nesta vida. Não acho correto.

Comemorar a ampliação dos investimentos e da arrecadação municipal neste futuro é algo obrigatório. Estamos falando de uma possibilidade concreta de avanço para a região, e a alternativa seria tudo continuar como está. E tudo continuar como está é o que eu não desejo, porque como esteve refém no passado, a cidade estará sempre refém no futuro.

Se alguém quer ser ingênuo o bastante para dizer que a usina pode até ser fechada, em caso de resistência do município contra um novo período colonial, que o faça. Todo mundo é livre para dizer o que pensa, inclusive eu mesmo. Mas acreditar nesta condição é forçar ao máximo a capacidade de raciocínio do monlevadense. Ainda há muita carne recobrindo este osso, e a usina vai roê-la até o último pedaço.

A questão primordial é o preço que pagará por isso. Não para mim, nem para um governo, nem para uma etnia específica. mas para toda a população monlevadense e, por exctensão, para as populações vizinhas.

Se alguém ainda duvida da natureza intrínseca aos grandes negócios, recomendo que assista ao filme Erin Brockovich. É um ótimo alerta sobre o pensamento corporativo, em detrimento das vidas comuns à volta dele.

E nossa Constituição, como eu já afirmei, prevê mecanismos de proteção a estas vidas, quando pontua pela responsabilidade social das propriedades e interesses privados. Mas João Monlevade pode achar muito justo, por exemplo, que uma companhia estatal gaste milhões para fornecer gás natural a esta planta, através do uso de dinheiro público que vem de nossos impostos, sem exigir nada em troca do "favorzinho".

Se for assim, que a Gasmig canalize gás para minha residência. Eu pagarei pelo que consumir, não resta a menor dúvida disso. Se vale para uma grande empresa, tem que valer para uma pequena vida, insignificante, como a que eu tenho.

Mais uma vez, um alerta: deixar tudo como está para ver como é que fica, na esperança de comer um doce que ninguém ainda pode prever o tamanho e o sabor, é uma prerrogativa dos ajoelhados de plantão. Eu só posso cumprir a minha parte: minhas pernas não vão se dobrar!

Bom, aos demais resta sempre a glória e a esperança de assistir a muitas peças de teatro, shows musicais, mostras de pintura e escultura, talvez uma ópera em João Monlevade, por que não? Tudo isso é fundamental na história de vida das famílias monlevadenses. O que eu quero que ninguém esueça, jamais, é quanto sangue e suor de entes queridos destas famílias foram queimados naqueles fornos, junto com o aço. Para mim, este fato é mais fundamental que os outros.

E repito: eu não odeio a ArcelorMittal. Não há motivo justo para tanto. O que peço é que ela ame mais este chão, de onde retirou o alimento para sua própria vida enquanto empresa.

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