O fato de estar com raiva não pressupõe que eu esteja com mágoas. O leitor desatento pode imaginar que misturo as coisas, mesmo com o atestado ético colocado ali na página própria.
Estar com raiva é um direito meu, inarredável. Podem me questionar muitas coisas, mas alguns dos meus direitos eu os exerço livremente e sem traumas maiores. Vejo a vida como o que ela é, não como o que ela poderia ter sido.
Aprendi com gente muito séria que realidade é intransitiva. Que se o casco do navio tem um rombo, todos podem dizer que está tudo ok, mas o fundo do mar é o único destino possível. Aprendi que quem gosta de mim pode me ferir, mas não diuturnamente.
Aprendi que os homens são o reflexo absoluto de seus atos, mas apenas uma pálida imagem assemelhada às suas palavras.
Entre muitas outras coisas, aprendi a viver sem mágoas. São inúteis. Mas a raiva é catalisadora e criativa, e portanto - em situações especiais - é até bem vinda.
Por isso, da mesma forma que não me permito viver com mágoa ou ressentimento, permito que a raiva me direcione às vezes. Porque não nasci e não cresci um andróide. O que tenho avaliado com calma é se vale a pena o uso da raiva como modelo de zeitgeist. Penso que não, mas ainda não encontrei um sentimento humano que a substitua à altura do que o mundo meu conhecido merece...
E é melhor que eu aja no instante da raiva. Eu não gostaria de me ver atuando em esfera de mágoas.
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