Nossa casa foi adotada por um casal de sabiás. No ambiente urbano, este fato já seria suficiente para comemorar muito, mas há um benefício adicional.
É um casalzinho jovem, recém-formado. A plumagem e o tamanho não deixam dúvidas (criei passarinhos quando isso já era moralmente condenável, mas ainda era socialmente aceitável).
A dona Sabiá não impressiona tanto os meus olhos masculinos. Ela está ocupada fazendo o trabalho prático: se o ninho estará protegido das chuvas, se há água e comida por perto, se há muitas árvores e um bom balanço entre sol e sombra, se não há predadores, etc. Este trabalho, geralmente abraçado pelas mulheres do mundo (as não-humanas, também!) com dedicação de buldogue, é fundamental para a existência de todas as espécies.
E é mal valorizado, como bem sabemos. Raros são os homens deste mundo (aí só os humanos entram no balaio) capazes de compreender o quanto é essencial este lado prático e objetivo de se ver as coisas.
Debaixo do telhado, Seu Sabiá destoa dos outros machos. Até chamá-lo de Seu Sabiá é exagerar bastante. Como eu falei, eles são muito jovens. Ele fica sendo então o Sabiá, cara legal e aí pelos seus 20 e poucos anos (se fosse homem). Acabou a faculdade, arranjou um emprego bacana, não vai ficar milionário mas também não vai passar nenhuma necessidade absurda.
A sabiá tem sorte porque ele está feliz. Reconhece o trabalho dela e agradece cantando. Cara, ele canta um absurdo! O danado parece ter duas usinas de som em lugar dos pulmões. Dá pra ver que falta melodia e ritmo, e aquela doçura que o canto de sabiá é capaz de possuir.
Mas a doçura vem é da tristeza. Preso numa gaiola, ele teria todas as chances de cantar muito além do que está fazendo agora. Este som meio cru e meio infantil só impressiona pela quantidade e pelo vigor.
E o sabiá não tá nem aí. Não para de cantar um minuto que seja, o danadinho. Sorte nossa cá embaixo, que temos uma sinfonia de um sabiá só, para aproveitar.
Bom, e que é que eu tenho a ver com isso? Muita coisa. Estou torcendo contra. Estou fazendo até mandingas para ele nunca aprender a cantar com doçura de gaiola. Pode continuar assim, descoordenado e sem ritmo, até morrer de velhice.
O mais importante é que ele tenha do lado a sabiá que escolheu, para admirar o canto bagunçado dele e manter a felicidade assim, quietinha dentro dos muitos ninhos que eu espero que eles façam neste mundo.
Este nosso mundo estranho e bonito em que, às vezes, o melhor que podemos fazer por alguém é torcer contra.
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