quinta-feira, 18 de março de 2010

Meu pequeno golfinho


Ontem, meu filho caçula realizou a sua maior façanha de liberdade em ir e vir. Saiu de casa pela primeira vez sozinho, para frequentar as aulas de teclado na Casa de Cultura. Durante um bom tempo eu me dividi entre a certeza de comentar e a vergonha de comentar o fato, porque parece pequeno demais, insignificante demais.

Cheguei à conclusão de que não é, no fim das contas. Aos 11 anos (idade do Arthur agora) quase não havia mais um pedaço só de Monlevade que eu não conhecesse. De andar pela cidade, claro, porque como haveria dinheiro para pagar passagens de ônibus? É bom lembrar que D. Maria Augusta me ensinou a não passar por baixo de roletas, pular pela porta de trás e nunca, em nenhuma hipótese, fazer cara de choro e pedir para algum desconhecido pagar a passagem.

Consegui passar estes valores para meus filhos. Quem os conhece sabe que são frutos dessa geração atual: não pedem a benção para sair, nunca utilizaram "senhor" e "senhora" dentro de casa, não gostam do trabalho doméstico mínimo, etc. Mas são extremamente respeitosos para com os mais velhos, são incapazes de utilizar palavrões, acreditam no trabalho e no esforço para obtenção de sucesso.

Criados num mundo totalmente diferente do meu, não são crianças como eu fui. Minha pele está curtida por um quê de liberdade que eles, infelizmente, não puderam aproveitar por causa do mundo "moderno".

Penso neles como golfinhos. O mar continua grande à volta deles, continua azul, mas está poluído. Não podem se aproveitar de toda extensão de mar que eu pude. Movimentam-se pouco, são limitados no direito mais básico que é sair de casa e conhecer um pouco de mundo à própria volta.

Meu pequeno golfinho saiu de casa, portanto, aparatado: Cartão de passagem, telefone celular, um trocado para a emergência e para o ladrão (caso encontrasse, Deus nos livre), e instruções sobre a dificílima tarefa de sair do República para chegar ao Areia Preta, rsrs. No meu tempo de criança, seria algo como uma hora de caminhada, se não parasse em algum canto para brincar com outras crianças pelo caminho. O resultado?

07h20 - Entrada no ônibus 141, após cinco minutos de caminhada pelo República.

07h50 - Ligação para o telefone do pai, estando defronte do hospital. Claro que perdeu o ponto de descida... E desceu lá porque o Margarida é conhecido por todo mundo, e uma boa referência para casos de "resgate".

07h55 - Pelo telefone, já havia recebido instruções detalhadas de como pegar outro ônibus para chegar à Casa de Cultura, enquanto eu ia para o hospital como segunda alternativa.

08h15 - Ele chegou um pouco atrasado para a aula, eu cheguei ao Margarida. Neste aspecto, palmas para o celular, que tem seu lado bom. Tudo tem, afinal de contas.

09h00 - Ligação para o pai, desta vez para evitar o "mico" (linguagem deles) de errar de novo. O pai estava trabalhando, e orientou de novo com o aspecto dos ônibus. "Volte pegando o 11, ou o 12, ou o 30, ou o 141 ou ainda, o 151. O 141 e o 151 vão te deixar no República, os outros você desce no Hiper e anda um pouco até chegar em casa, ok?"

09h55 - Meu pequeno golfinho telefona mais uma vez, com uma voz de choro de cortar o coração, mas bem disfarçada: "Pai, aconteceu um probleminha... Fiz tudo errado... Pode me pegar aqui perto do Sabor Sertanejo?"

10h10 - Juntei-me ao pequeno golfinho no carro. "Tá tudo errado, , pai?" "Não, Arthur, tá tudo certo. Você vai aprender com a prática e com os erros. Para acertar, temos os erros e os pais." Lembrei-me que, sem pai, eu tinha aprendido. Ele também irá, com certeza... E com melhor suporte.

Acho que, da próxima vez, ele irá acertar os ônibus. Caso contrário, vou buscá-lo de novo, e de novo, e de novo, se precisar.

Para certas coisas, não existe preço nem Mastercard.

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