quarta-feira, 19 de maio de 2010

Bem vindo ao deserto do irreal


Você está chegando agora à minha terra? Bem vindo! Por favor não se ofenda com a aparência desgastada dela. Apesar de jovem, é uma senhora muito respeitável, casada que foi com um sonho forjado a ferro e fogo.

Por causa do gel fervente que corria por suas veias em sua fundação, ela teve que pagar preços caros. Não pagou sozinha, é certo, já que muitas outras terras foram consumidas num processo idêntico. Mas não posso conhecer a alma das outras terras, sou filho só daqui. As outras histórias, outros filhos contarão.

Vê aquele berço, cercado hoje por um muro? Foi ali que ela gerou um de seus mais poderosos filhos. E infelizmente, um dos pouco gratos. Eles ainda existem aos montes, espalhados por este mundo de Deus ou reunidos em pontos esparsos sobre o corpo dela, aqui mesmo e ainda hoje. Mas aquele filho em particular foi especialmente cruel. Tomou-lhe o berço, cercou sua história de vida inicial, tirou dos seus muitos outros filhos a chance de conhecê-la melhor.

Não sabe de sua generosidade? Vou contar. Mesmo tendo seus muitos filhos próprios, ela jamais deixou de receber tantos outros que lhe chegaram à porta, ávidos por sonho e esperança de encontrar uma mãe dedicada. E como ela se dedicou a todos os filhos, que lhe nasciam das entranhas ou que lhe chegavam à porta!

Como toda mãe, não há dinheiro no mundo que possa pagar-lhe o amor imenso, destilado com todo o carinho ao longo dos anos, e igualmente distribuído entre os rebentos.

Suas esperanças e sonhos? Aí não saberei responder direito... Qual de nós, filhos naturais ou adotados, poderá realmente saber? Nós talvez saibamos dos nossos sonhos, das nossas esperanças. E da fonte de energia de onde todos eles poderão se nutrir para que aconteçam: este corpo e esta alma, já desgastados pelo tempo universal e por nossa ganância individual.

Do seu caráter? Ah, com certeza nunca mudou. Ainda hoje está recebendo filhos, parindo filhos, gerando sonhos, alimentando esperanças. E sendo atacada por muitos filhos cupins, que para viver não sabem de outro método senão roer-lhe fundo a carne.

Da minha responsabilidade? Total, não é? Somos todos, filhos naturais e adotados, responsáveis por cuidar dela nestas horas de crepúsculo. Somos todos, de alguma forma, carrapatos agarrados à pele desta senhora gentil e dócil. Para viver, a matamos um pouco a cada dia. Ainda não descobrimos uma forma de evitar isso, somos carrapatos. O hospedeiro é menos importante que nossa fome ancestral.

É, ela pode morrer por nossa causa. Mas não sabemos fazer de outro jeito. Se acontecer, faremos o mesmo que o senhor está fazendo: viajaremos em busca de outro corpo... Ah, o senhor não veio para comer? Como é que pode ser isso?

Entendo, o senhor está só de passagem... Uma pena, volte sempre para nos visitar. Acho que durante muitos anos ainda haverá esta terra aqui para recebê-lo de braços abertos, mesmo que os braços estejam só nos ossos. Boa viagem e volte sempre!


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