terça-feira, 18 de maio de 2010

Meu "amigo", o traficante


Este tópico será um pedido público de desculpas ao Cristiano, Procurador Jurídico da Prefeitura. Ontem eu estive lá, à noite, porque queria tirar uma dúvida sobre uma possível parceria para a Polícia Técnica de João Monlevade.

Cristiano estava atendendo a um cidadão monlevadense, cabisbaixo e aparentemente muito humilde, diante dele. Eu confesso que nem prestei muita atenção àquela pessoa, e vou me envergonhar disso pelo resto da minha vida, mas... Já errei. Errar e não aprender é que é imperdoável, já que o simples errar faz parte da nossa essência.

Cristiano me fez a seguinte pergunta: - Escuta, Célio, este rapaz está com um grande problema. Ele está devendo dinheiro de drogas e...

- Está sendo ameaçado por um traficante - retorqui.

- Isso mesmo. A casa dele foi metralhada... Ele está pedindo ajuda.

Nessa hora, e quase sem pensar, respondi com algo que dói, mas é definitivo: a verdade:

- Cristiano, ele vai morrer.

- Mas não tem nada que a gente possa fazer?

- Não. Ou ele foge da cidade ou vai morrer.

- A Polícia não pode fazer nada?

- Ele vai morrer, não importa o pouco que a Polícia possa fazer.

Esse é um resumo muito pobre do acontecido, mas já basta. Esse é o retrato da falência de dois setores brasileiros, a Saúde Pública e a Segurança Pública. Aparentemente, no Brasil, a regra é: se é Público é ruim. E isso vem de muitos anos, antes que algum maluco partidarista resolva interpretar mal o que digo. Este é um legado de ignorância e despreparo que é culpa de todos nós.

O traficante não tem "amigos". Ele não vende meias ou panelas, por exemplo. Não paga impostos, não tem custo fixo, não sofre calotes. Ou se paga com dinheiro ou se paga com a vida o que ele fornece.

Levando-se em conta que o que ele fornece pode ser a morte lenta, é mais uma falência social que ele também ofereça a morte rápida, como alternativa ao seu comércio imundo.

Minha vergonha nunca irá me largar. Posso conviver com a ideia de que não produzi o traficante nem o usuário de drogas, mas produzi algo muito ruim também; um monstro temporário e que não olhou sequer para a pessoa que estava ali defronte de mim e do Cristiano. E Cristiano estava, por sua vez, fazendo apenas o papel que lhe cabia. O de tentar ser a diferença na vida daquele condenado.

Peço desculpas ao Cristiano porque não há desculpas possíveis a pedir, de minha parte, para aquele cidadão desesperado.

E ficam perguntas: só eu terei que viver com esta vergonha? A falência dos serviços públicos, sempre iminente, tem que cair sobre o nosso remorso individual? Não há gente que se dispôs a ser o canal de intervenção para que este tipo de fato possa ser evitado? Onde estão todos vocês? Estão fazendo o quê, agora mesmo? Disputinha partidária? Debatezinho ideológico? Elaboraçãozinha de grandes projetos?

Vou ter que pedir desculpas ao país inteiro, no futuro próximo, porque este tipo de cena corre o risco de se tornar muito comum. Eu queria, do fundo do meu coração, que Monlevade pudesse se livrar deste destino idiota, insano e sem esperanças. Há coisas muito importantes a se fazer, para que esta nossa casa tenha alicerce e futuro.

Vou ter que mudar muitos conceitos e atitudes nesta jornada. Tomara que encontre gente de bem que queira reconstruir. Porque o que havia nós desmontamos, na nossa vida egoísta de todo dia.

Um conselho? Evite ao máximo que puder, além das suas forças possíveis, que qualquer pessoa que você ame tenha um "amigo" traficante de drogas. Você não terá a companhia desta pessoa por muito tempo, se isso acontecer.

E, Cristiano, me perdoe. Eu nunca mais vou esquecer que cada pequeno gesto, faz uma baita diferença.

Um comentário:

Marcelinho disse...

Caro Amigo Célio,
o fato ocorrido com você envolve uma situação em que poucos irão vivenciar diretamente, mas, outras situações que nos levam à uma crise moral possuem a mesma dimensão de culpa, como por exemplo, uma criança nos pede um pão ou comida, e negamos.
Compartilho com você, por sua sensibilidade, esta que podemos chamar de dor.
Somente pessoas sensíveis possuem olhos na alma, para enxergar além.
Aos acertos e felicidades agregamos à vida preciosa que DEUS nos deu, mas os erro e tristezas que nos sirvam de "quadro-negro" no aprendizado da vida e ao aprendermos, agrega-se, também, estes à cesta da vida.
Grande Abraço.